segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

ANO NOVO NA PRAÇA DA MATRIZ - Lucivânio Jatobá

ANO NOVO NA PRAÇA DA MATRIZ

Por Lucivânio Jatobá


Meu pai chegava em casa, toda véspera de Ano Novo, com uma lata de queijo do reino Borboleta. Tinha um prazer enorme de abrir com uma espécie de chave atípica cinza aquela lata avermelhada. Eu abominava queijo do reino... Preferia o saboroso queijo de manteiga, que era vendido bem baratinho no mercado da feira de Vitória de Santo Antão. Ano Novo exigia, na concepção do meu pai, queijo do reino. Ponto final!




À noite nos dirigíamos à Praça da Matriz. Era ali onde se reuniam os Vitorienses para sentir a “passagem de Ano”. O ambiente era mágico para minha ótica de menino. Imperavam a diversão, a ludicidade, a fantasia. O cachorro quente de Mané Poças, sempre presente nas festas do Livramento, estava lá, naquela barraquinha que exibia cordas de cebolas e pimentões pendurados. Eu e meus irmãos comíamos aquela delícia de cachorro quente até não agüentar mais. Havia também o caranguejo, aquele crustáceo estranho e avermelhado. Meu pai adorava... Eu tinha preguiça de partir as patas para comer insignificantes parcelas de uma carne branca. Talvez preferisse as piabinhas do Tapacurá bem torradas...

 Preferia mesmo era fazer a pescaria na Barraca da Sorte ou ver meu pai atirar (e errar), com espingarda de ar comprimido, nas carteiras de cigarros Astória e Minister. Tinha também as barcaças. Passava dez minutos indo pra lá e pra ca´, numa repetição monótona, até o labirinto protestar, impondo-me uma náusea e certa tontura. Restavam-me, ainda, umas voltas na Roda Gigante, que me permitiam enxergar tudo e todos menores. Sentia-me gigante, onipotente, quando a roda gigante parava e eu ficava lá em cima apreciando o meu mundo... Como era vasto o mundo.

De repente, meia-noite. Apagavam-se, por segundos intermináveis, todas as luzes da cidade. Foguetões pipocavam. Um novo ano tinha início. Novo tempo. Novas esperanças. Alguns amigos do meu pai já estavam visivelmente embriagados. Pessoas se abraçavam. Outras choravam. Ouvia-se sempre de um e de outro: Feliz Ano Novo, seu Emídio! Feliz Ano Novo!

No dia seguinte, a cidade mergulhava numa melancolia indescritível. O que antes era alegria, vida, mais lembrava um cenário de cidade arrasada. Na Praça da Matriz, os resíduos deixados pelas pessoas eram visíveis: restos de guardanapos de papel, copos quebrados, garrafas de champanhe espalhadas junto ao meio fio, o Clube Leão com as portas fechadas e os brinquedos, que tanto me divertiram na noite anterior, parados e amarrados com grossas correntes eram parte de um cenário triste.

Sentido precocemente aquilo que depois passei a conhecer- a depressão-, entregava-me ao jogo de bolinhas de gude na praça do Livramento, com alguns poucos amigos, numa fuga inconsciente da tristeza do primeiro dia do ano.
Na Cascatinha- o bar da Praça do Livramento, alguns bêbados retardatários, com a voz pastosa, comiam pé de galinha, ingeriam doses razoáveis de aguardente com Crush e cantavam desafinados um tango famoso que Nelson Gonçalves eternizara num disco de 78rpm, mais ou menos assim:

“Antigamente nos meus tempos de ventura
Quando eu voltava do trabalho para o lar
Deste bar alguém gritava com ironia:
"Entra mano, o fulano vai pagar"
Havia sempre alguém pagando um trago
Pelo simples direito de falar
Havia sempre uma tragédia entre dois copos
Nas gargalhadas de um infeliz a soluçar...”



quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

SÓ PODIA SER MESMO DE PERNAMBUCO - Fabrício Carpinejar

SÓ PODIA SER MESMO DE PERNAMBUCO


Por Fabrício Carpinejar


Só podia ser de Pernambuco a poesia geométrica de João Cabral, o teatro da vida real, a morte e vida severina.

Só podia ser de Pernambuco o frevo, o maracatu, o Galo da Madrugada, a alegria ecumênica. Só podia ser de Pernambuco os bonecos de Olinda, o olhar oceânico do alto das igrejas e dos muros brancos. Só podia ser de Pernambuco a literatura de cordel, o raciocínio rápido do repente, a magia dos violeiros. Só podia ser de Pernambuco Manuel Bandeira e a Estrela da Manhã. Só podia ser de Pernambuco Nelson Rodrigues e o seu carinho pelos vira-latas mancos.



Só podia ser de Pernambuco a infância misteriosa de Clarice Lispector, a descoberta da leitura. Só podia ser de Pernambuco Chico Science e o movimento manguebeat. Só podia ser de Pernambuco a cerâmica de Francisco Brennand e seus 1001 dias iluminados de esculturas e azulejos.

Só podia ser de Pernambuco o modernismo de Cícero Dias, que já dizia em sua pintura: "Eu vi o mundo... ele começava no Recife". Só podia ser de Pernambuco a pedagogia de Paulo Freire (do oprimido, da libertação, do compromisso, da autonomia e da solidariedade). Só podia ser de Pernambuco o cinema inovador de Kleber Mendonça Filho ("O Som ao Redor" e "Aquarius") e de Cláudio Assis ("Amarelo Manga" e "Febre do Rato").

Só podia ser de Pernambuco a irreverência contagiante de Chacrinha.

Só podia ser de Pernambuco a sociologia de Gilberto Freyre, profeta do multiculturalismo. Só podia ser de Pernambuco Vavá, o peito de aço, bicampeão mundial de futebol.

Só podia ser de Pernambuco Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Só podia ser de Pernambuco o abolicionista Joaquim Nabuco.


Tem razão. 
Só podia ser mesmo de Pernambuco.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Indígena brasileira eleita deputada federal vence prêmio da ONU - EBC

Direitos Humanos

Indígena brasileira

eleita deputada federal

vence prêmio da ONU


Por Agência Brasil – Brasília




A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RO), primeira indígena eleita para o cargo no país, venceu o Prêmio das Nações Unidas de Direitos Humanos. O anúncio foi feito pela presidente da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Maria Fernanda Espinosa, na quinta-feira (25/10). Com 43 anos, ela está entre os oito deputados federais eleitos por Roraima este ano.
Já receberam esse prêmio - concedido a pessoas e organizações pelas suas conquistas em direitos humanos – o pastor norte-americano Martin Luther King, o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela e a ativista paquistanesa Malala Yusafzai -, além das organizações Anistia Internacional e Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Wapichana


Joênia Batista de Carvalho adotou como sobrenome sua etnia. Segundo estimativas não oficiais, são 3,5 mil indígenas wapichana na Região Norte do país.
Após defender um caso de disputa de terras na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Joênia se tornou a primeira advogada indígena a comparecer perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2013, foi nomeada primeira presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.
“Quando eu levo a palavra como primeira mulher indígena formada no Brasil, é justamente para dar um incentivo, para que essa minha imagem possa ser reproduzida, multiplicada dentro dos povos indígenas”, afirmou Joênia em entrevista em Boa Vista ao ONU News, ao saber da premiação.

“São cidadãos, pessoas que querem fazer parte da tomada de decisões de muitos processos que estão sendo discutidos dentro dos países, são defensores de direitos, de conhecimentos, de vários saberes. A gente vai fazer também com que as crianças possam viver este exemplo. E eu entendo que este reconhecimento vai servir também para nos proteger”, declarou na ocasião.

Criado pela Assembleia Geral da ONU em 1966, o prêmio está em sua décima edição, que coincide com o aniversário dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os vencedores são escolhidos por um comitê especial formado pela presidente da Assembleia Geral, o presidente do Conselho Econômico e Social da ONU, o presidente do Conselho de Direitos Humanos, entre outros. Para o prêmio deste ano, foram recebidas mais de 300 candidaturas. A entrega aconteceu em 20 de dezembro, na sede das Nações Unidas, em Nova York, como parte das comemorações do Dia dos Direitos Humanos.


EM: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-10/indigena-brasileira-eleita-deputada-federal-vence-premio-da-onu


VER TAMBÉM: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2018/12/20/basta-ter-oportunidade-indigena-brasileira-se-junta-a-mandela-e-malala-com-principal-premio-de-direitos-humanos-da-onu.htm


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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

IBGE aponta aumento da extrema pobreza no país - em.com.br


IBGE aponta aumento da extrema

pobreza no país

Os dados coletados dizem respeito a 2017, quando 2 milhões de pessoas passaram para baixo da linha de pobreza do Banco Mundial



Mesmo com o fim da recessão, a pobreza continuou crescendo no ano passado. De 2016 para 2017, 2 milhões de pessoas passaram para baixo da linha de pobreza do Banco Mundial, revelou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2018, pesquisa divulgada nesta quarta-feira, 54,8 milhões de brasileiros estavam abaixo dessa faixa, ou seja, tinham renda domiciliar por pessoa inferior a R$ 406 por mês.

ONU está preocupada com retrocesso no combate à pobreza no Brasil
Na prática, cerca de um quarto da população (26,5%) está abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial, que, para países com renda média-alta, como o Brasil, considera a linha de corte de US$ 5,50 por dia por pessoa - em valores de 2011, atualizados na pesquisa do IBGE. Em 2016, 52,8 milhões de brasileiros, ou 25,7% da população, estavam nessas condições.

Os dados do IBGE confirmam que a pobreza está regionalmente localizada no Brasil. No Nordeste, 44,8% dos 57 milhões de habitantes estão abaixo da linha de pobreza. São 25,6 milhões de pessoas - a metade do total nacional - vivendo com menos de R$ 406 mensais por pessoa. Enquanto isso, no Sul, 12,8% da população de 29,6 milhões de habitantes está abaixo dessa linha. São 3,8 milhões de pessoas.

A linha de pobreza do Banco Mundial equivale a menos de um terço da renda média dos brasileiros em 2017 - R$ 1.511, considerando o rendimento médio mensal domiciliar per capita. Também há grandes desigualdades regionais. Enquanto no Nordeste a renda média foi de R$ 984, no Centro-Oeste foi de R$ 1.776, com destaque para o Distrito Federal, com rendimento médio de R$ 3.087.

O contingente de extremamente pobres também cresceu em 2017, com 1,7 milhão de brasileiros a mais nesse grupo. No ano passado, eram 15,2 milhões de pessoas, ou 7,4% da população, vivendo abaixo da linha de extrema pobreza do Banco Mundial, equivalente a apenas R$ 140 por mês na renda domiciliar por pessoa. Em 2016, 13,5 milhões, ou 6,6% da população, estavam nessa condição.

Transferência


Com a transferência de cerca de R$ 10,2 bilhões por mês seria possível tirar os 54,8 milhões de brasileiros que estão abaixo da linha de pobreza dessa condição, conforme cálculos do IBGE. O valor equivale a R$ 122,4 bilhões ao ano, mais ou menos quatro vezes o tamanho do orçamento anual do Bolsa Família.

O cálculo parte do "hiato de pobreza", indicador do Banco Mundial criado para medir a distância dos indivíduos da linha de pobreza. Na média, os brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza precisariam ampliar suas rendas em R$ 187 por mês para sair da pobreza. Em 2016, essa diferença era menor, de R$ 183 mensais.


No caso dos 15,2 milhões de brasileiros que estavam abaixo da linha de extrema pobreza em 2017, seria necessária uma transferência de renda de R$ 1,2 bilhão ao mês (R$ 14,4 bilhões por ano) para tirar todo esse contingente dessa situação. Na média, cada brasileiro extremamente pobre precisaria ampliar sua renda em R$ 77 por mês para sair dessa condição.

O IBGE alertou que esse cálculo é aproximado, "pois considera que há perfeita identificação das pessoas abaixo da linha e alocação de recursos, sem custos operacionais e sem eventuais efeitos inflacionários desse investimento".

Em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2018/12/05/internas_economia,1010671/em-2017-quase-55-milhoes-de-brasileiros-estavam-abaixo-da-linha-de-po.shtml