TRADUÇÃO
Najwan Darwish (1978-), por Thiago Ponce de Moraes
Foto: Veronique Vercheval
Najwan Darwish (Jerusalém, 1978 –) é um dos mais destacados poetas de língua árabe de sua geração. Darwish vem conduzindo muitos projetos artísticos, entre os quais o Festival Palestino de Literatura se destaca. Em 2009, fundou uma editora em Jerusalém, responsável pelo jornal pan-arábico Al-Araby, onde é editor chefe nas seções de artes e de cultura. A poesia de Najwan Darwish é influenciada pelas tradições arábicas e ocidentais, tanto clássicas quanto modernas, bem como pela poesia sufi. Ele explora temas como a fé, o poder e o trauma para lançar interrogações à história e ao status quo. Sua obra já foi traduzida para mais de quinze línguas e tem sido publicada amplamente em todo o mundo.
“RESERVED”
Uma vez tentei sentar
em um dos assentos vagos da esperança
mas a palavra “reserved”
me encarava como uma hiena
(Eu não me sentei, ninguém se sentou)
Os assentos da esperança estão sempre reservados
DORMINDO EM GAZA
Fado, vou dormir como as pessoas dormem
quando bombas estão caindo
e o céu se rompe em carne viva
Vou sonhar, então, como as pessoas sonham
quando bombas estão caindo:
Vou sonhar com traições
Vou acordar ao meio dia e fazer à rádio
as perguntas que as pessoas fazem:
O bombardeio acabou?
Quantos foram mortos?
Mas minha tragédia, Fado,
é que há dois tipos de pessoas:
aquelas que jogam seus sofrimentos e pecados
nas ruas para que possam dormir
e aquelas que catam os sofrimentos e pecados das outras
moldam-nos em cruzes e desfilam
pelas ruas de Babilônia e Gaza e Beirute
gritando sem parar
Há ainda mais por vir?
Há ainda mais por vir?
Há dois anos andei pelas ruas
de Dahieh, ao sul de Beirute
e carreguei uma cruz
tão grande quanto as casas destruídas
Mas quem vai levantar hoje uma cruz
das costas de um homem exausto em Jerusalém?
A terra são três pregos
e a misericórdia um martelo:
Ataque, Senhor
Ataque com os aviões
Há ainda mais por vir?
Dezembro, 2008
NADA MAIS A PERDER
Ponha a cabeça no meu peito e escute
às camadas de ruínas
atrás da madraça de Saladin
ouça as casas soterradas
na aldeia de Lifta
ouça o moinho destruído, as lições e leituras
no primeiro piso da mesquita
ouça as luzes da varanda
saírem pela última vez
do alto do Vale da Cruz
ouça a multidão arrastando os pés
e ouça-a retornando
ouça os corpos sendo descartados, escute
a sua respiração no fundo
do Mar da Galileia
escute como um peixe
em um rio vigiado por um anjo
ouça os contos dos aldeões, bordados
como kufiyas nos poemas
ouça os cantores envelhecendo
ouça suas vozes atemporais
ouça as mulheres de Nazaré
enquanto cruzam os campos
ouça o cameleiro
que nunca para de me atormentar
ouça-o
e nos deixe, juntos, lembrar
então nos deixe, juntos, esquecer
tudo o que ouvimos
Ponha sua cabeça no meu peito:
Estou escutando a terra
Estou escutando a grama
Conforme passa pela minha pele…
Perdemos a cabeça no amor
e não temos nada mais a perder
NÃO ADIANTA
Não adianta se esconder e trancar as portas
Mudar-nos para onde ninguém nos conhecesse
também não adianta
Mesmo que você se lance do precipício
em direção ao abismo
a história ainda vai se agarrar ao seu nome
.
AS DUAS ÚLTIMAS FRASES
As duas últimas frases antes de você cair
não exprimem o desejo
de deixar pra trás algum significado
Elas não são nem um adeus
nem uma expressão de esperança
Elas são simplesmente necessárias
para a sua queda
SEM QUALQUER ORIENTAÇÃO
Amanhã nossos filhos vão acordar
sem qualquer orientação
eles são os sobreviventes do futuro:
Por algum milagre do Criador
eles sobreviveram
a todas as tentativas de orientá-los
CONTE
Conte-me quem é esse jovem leão
e como ele saltava pelo ar
enquanto o caçavam
de Musrara a Sheikh Jarrah
Conte-me sobre aquele homem magro e bravo
e como um esquadrão inteiro o atacou
no posto de controle de Qalandia
mesmo sem conseguir abatê-lo
Conte-me sobre aquela garota que se manteve firme
enquanto o buldôzer a esmagava
como uma amendoeira em março
Conte isso àqueles
que dizem que fomos derrotados
NO INFERNO
1
Nos anos 30
ocorreu aos nazistas
colocar suas vítimas em câmaras de gás
Os algozes de hoje são mais profissionais:
Eles colocam as câmaras de gás
nas suas vítimas
2
Para o inferno, 2010
Para o inferno, seus ocupantes, vocês e toda a sua prole
E que toda a humanidade vá para o inferno se for como vocês
Que os barcos e aviões, os bancos e os painéis todos vão para o inferno
Eu grito, “para o inferno…”
sabendo muito bem que
sou o único
que vive lá
3
Então, deixe-me deitar
e descansar minha cabeça nos travesseiros do inferno
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